Então viver é isso
esse abrir e fechar
de pálpebras
esse entra e sai de ar
sem deixar resquícios
a dose certa de rum
saber manter o fígado
e os alvéolos limpos
então viver é isso
a fivela a correr no cinto
o cabelo a mudar de cor
o sapato gasto nas bordas
a inconstância das formas
o soma inexata dos números
e toda a indecisão
então viver é
trocar as flores murchas
antes que apodreçam
sobre a mesa
esse lixo acumulado
a espera de um caminhão
que o leve até a próxima
geração
então é o efeito estufa
as calotas polares
nossas inflexões
o filhote de gato
na noite de chuva
o pai num hospital qualquer
morrendo
sem querer te ver
a água a pingar na pia
por uma noite inteira
o livro de seiscentas páginas
marcado no meio
o xis num mapa mundi
tudo o que não fizemos
então viver é ver
o filho dormindo
é contar os sobreviventes
da última estação
todos que amamos
enquanto outros tantos, não
é o gozo a molhar
as pernas. o cheiro
de lençol limpo
o café passando
o verso escrito
o riso do amigo
o filme de duas horas
o desejo de mais um frame
essa dor que não se sabe
até quando
até quando?
esse nada a que se dá
nomes próprios
tudo que se pretende
provar, circular, conter
então é isso
então é isso que é
viver.
Sobre Ju Blasina Nascida em Porto Alegre, crescida em Rio Grande, Ju Blasina é poeta e feminista. Cursou biologia e letras pela FURG. Publica em e-zines e jornais de sua região desde 2009. Lançou dois e-books independentes (2010 e 2014) e seu primeiro livro, 8 horas por dia, pela Concha editora em 2017.
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