por Andréia Pires
De 24 de janeiro a 3 de fevereiro, a Praça Dídio Duhá, no Balneário Cassino, recebeu a 46ª edição da Feira do Livro da Furg, com uma programação cultural extensa e comemorativa ao cinquentenário da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Uma das atividades mais aguardadas foi o encontro com a escritora Natália Borges Polesso, autora dos premiados Recortes para álbum de fotografia sem gente e Amora, e dos livros de poemas Coração à Corda e Pé atrás. Entre 2013 e 2016, estudei com a Natalia no doutorado em Letras, na PUCRS, e virei fã. Agora, tive o privilégio de trabalhar na cobertura na feira, com a equipe da Secretaria de Comunicação da FURG, e aproveitei a oportunidade de conversar com a Natalia ao vivo e por e-mail, e ainda tietar, depois do encontro, essa que é uma artista brilhante e uma das vozes mais expressivas da literatura contemporânea brasileira. Gostaria de ter perguntado mais, de ter tido mais tempo para saber como foi a temporada dela na cidade, de ter agradecido mais a contribuição que ela tem dado à literatura. Esse a mais fica para um próximo encontro. Que seja logo.
ENTREVISTA
Andréia: Como a literatura entrou na tua vida e de que forma a Natalia Borges Polesso virou escritora?
Natalia: A literatura entrou na minha vida com os causos que minha vó me contava. Gostava muito de ouvir essas histórias e não me importava que fossem sempre as mesmas ou que algum detalhe mudasse. Depois veio a vontade de escrever algumas palavras, poemas de adolescente, historinhas e assim fui indo. Hoje entendo a escrita como exercício. Não é necessariamente algo que faço para produzir um livro ou um texto acabado, mas um processo.
A: Sobre teu processo criativo, como a tua escrita nasce e se transforma em livro?
N: Acho que comecei a responder na anterior. Entender a escrita como exercício, ao menos pra mim, me faz compreender melhor esse longo processo. Primeiro a gente tem uma grande ideia e aí é um longo caminho até sua execução. Um caminho que, para mim, definitivamente, não é uma linha reta e por vezes me afasta dos objetivos primeiros. Mas assim, posso dar o exemplo do Amora. Eu queria escrever um livro só sobre lésbicas. No fim, escrevi um livro com protagonistas lésbicas. O que importava era quem seriam essas mulheres e que tipo de história cada protagonista ia propor. No conto, o processo pode ser mais fragmentário, porque as histórias são curtas. No romance, é diferente, acho que demora mais até a supostamente “grande ideia” se definir e então é preciso de um mergulho mais profundo e duradouro. Para terminar o Controle, tive que passar mais tempo com ele, digo mais seguidamente.
A: Teu livro de estreia, Recortes para álbum de fotografia sem gente, e Amora, o mais recente, venceram prêmios importantes e alcançaram visibilidade rapidamente. Ambos abordam, com singularidade, questões do universo lésbico em narrativas breves. Conta um pouco das tuas escolhas em relação aos temas e às formas dos teus contos e do lugar de Coração à corda, de poemas, no conjunto da tua obra.
N: O Recortes não teve tanta visibilidade quanto o Amora, nesse sentido, um prêmio nacional faz bastante diferença, pois é uma vitrine maior, alcança mais pessoas, eu acho. Sobre algumas escolhas que são importantes pra mim, tomei uma decisão: escrever o que me atravessa, ter personagens lésbicas. É uma afirmação. Não vejo problema. Sobre temas: acho que meus temas são variados, é muito difícil estabelecer temas, ainda mais pra quem escreve contos. Se eu disser que escrevo sobre o amor, sobre as pessoas, sobre a morte, sobre doenças, sobre depressão, sobre encontros, sobre como aprender a ter empatia, seria uma lista imensa. Sobre ter um livro de poesia (dois! Tem o Pé atrás também, que saiu pelo selo Fresta Editorial), só posso dizer que não consigo evitar de escrever alguma poesia, mas não acho que eu seja uma poeta ou que minha poesia seja boa, sei lá, não me sinto muito à vontade com a publicação, mas tenho muita vontade de escrever. Aliás tenho lido mais poesia do que prosa ultimamente. E escrevo sempre, afinal, também é um exercício.
A: São tempos difíceis para a arte no Brasil e, nesse contexto, teu trabalho dialoga com um público cada vez mais engajado artística e politicamente e tu mesma, como escritora, tens te posicionado em favor da liberdade de expressão e em defesa da democracia. Para ti, de que forma a escrita, a literatura, pode ser resistência?
N: São tempos difíceis, são tempos tenebrosos. Quero pensar que atravessaremos isso e sairemos vivos. Acho que a arte é essencial neste momento, para que possamos elaborar nossos sentimentos, para que possamos elaborar a nossas visão das coisas e, principalmente, para compartilhá-la. Isso nos une, isso nos faz saber quem está com a gente. Nem sei falar muito disso. Dói. Cansa. Mas é com tudo isso, no corpo da gente, que a gente escreve.
A: Vem livro novo por aí? O que o leitor pode esperar de Natalia Borges Polesso em 2019?
N: Vem sim: um romance de formação, Controle. Sai em Julho, pela Companhia das Letras.
Natalia Borges Polesso é autora dos livros de contos Recortes para álbum de fotografia sem gente (2013), vencedor do prêmio Açorianos de Literatura na categoria contos em 2013, e Amora(2015), vencedor dos prêmios Ages - livro do ano, Açorianos de Literatura na categoria contos 2016, 1º lugar no 58º Prêmio Jabuti categoria contos e crônicas, além do 58º Prêmio Jabuti Escolha do Leitor; e dos livros de poema Coração à corda (2015) e Pé atrás (2018). Recentemente, foi selecionada para a coletânea Bogotá39, que reúne os 39 escritores mais promissores da América Latina com menos de 40 anos. Doutora em teoria da literatura, Natalia atualmente é bolsista PNPD/Capes no Programa de Doutorado em Letras da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
** Essa entrevista foi produzida para o novo portal da Furg e está disponível aqui.
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