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“Ceder jamais. Faço rap pra mostrar como se faz.” Um papo com Pérola Negra


Imagem: AH NANSE | @umolharpreto

“Ceder jamais. Faço rap pra mostrar como se faz”. Maiara Alves de Almeida da Conceição, do Rio de Janeiro pra Rio Grande. Hoje com 22 anos e Pérola Negra. Buscou na música e no rap uma conexão com seu pai e com os homens. Encontrou inspirações em suas vivências, relações e no amparo de sua mãe. Sou fã da Pérola desde que ouvi seu primeiro trabalho, Judas, no início de 2017. Conversando com ela, acabei me tornando mais fã, não só de seu trabalho e relacionamento com a arte, me tornei fã da Maiara e de sua história de vida. Do nosso papo, a voz da Pérola Negra para toda Rio Grande ouvir:


Pérola Negra

“Maiara Alves de Almeida da Conceição era uma criança negra e gorda que não se reconhecia. Alisei meu cabelo quando eu tinha nove anos de idade, foi a primeira vez que eu alisei meu cabelo. Acho que por falta de reconhecimento eu exigi que isso acontecesse porque eu tinha poucas referências no meu meio que tivessem o cabelo igual ao meu.


Fiz parte também da estatística social de crianças que só foram registradas e não foram criadas pelo pai. Minha mãe foi uma mãe solteira que sempre batalhou pra me dar tudo do bom e do melhor e nunca deixar me faltar nada. Nasci com vários privilégios, diferente de outras pessoas que conheço, mas na época eu não reconhecia, sempre estudei em escolas boas, particulares.


Sempre fui uma mulher gorda. Sempre fui grande, a última da fila. Sempre fui a menina que não se encontrava no meio dos amigos, que não tinha reconhecimento de beleza dos homens brancos e negros. Fiz parte de mais uma estatística, da mulher negra que foi invadida enquanto criança sem poder se defender. Eu tive várias situações da minha vida em que o assédio esteve presente e acho que inclusive isso vem crescendo na minha personalidade cada vez mais.


A minha mãe, Ana Claudia, por ser uma mulher que sempre batalhou, ela me ensinou um pouco a me defender, a me virar sozinha. Nas vezes em que eu ficava muito triste com minhas vivências, ela sempre me direcionava esse apelido de “Pérola Negra”, da música do Luiz Melodia que ela cantava pra mim, na intenção de me acalmar nos nossos momentos de carinho e afeto. Foi quando o nome Pérola Negra entrou na minha vida.


O rap e o amor

A maior inspiração e ligação que eu tive com o rap foi com o meu pai biológico. Nos poucos momentos em que tive com ele, a gente se encontrava e ele me levava pro rap, pro baile charme. Era MC, cantava, ouvia e vivia do rap.


Aos 15 anos eu tive meu primeiro contato com o amor. Quando eu vim morar em Rio Grande, eu me apaixonei por um cara que trabalhava com rap. E eu queria viver as coisas que ele vivia relacionadas ao rap porque eu tinha lembranças boas de poucos momentos que eu vivi com meu pai. Eu acreditava que o rap era uma ligação que eu tinha com os momentos que eu ia viver com os homens que passavam pela minha vida. E, eu curti o cara. Curti o rap e vivi aquele momento. E aquilo nem era um relacionamento, era uma vivência do machismo opressor. Aquele cara manipulador que faz você acreditar que vale a pena você fazer tudo pra agradar ele. No fim das contas não vale nada.


Pérola Negra e a cidade

Depois disso, o rap também entrou na minha vida com a dança. Eu fui dançarina de rap. Quando cheguei na cidade eu comecei a executar a dança. Mas, ainda não usava o nome Pérola Negra. Com 18 anos eu decidi oficializar minha carreira. Foi quando eu fiz parte da Batalha da Xavier* e eu precisava de um nome pra que as pessoas me reconhecessem naquele momento. O primeiro nome que veio à minha cabeça foi Pérola Negra. Foi quando deu tudo certo pra mim. Eu tô começando a minha caminhada sozinha. Acho que eu tenho muito que crescer atribuindo às pessoas que merecem meu reconhecimento.


Minha vida se construiu de uma forma em volta do rap. Uma das coisas que mais me motivou em ‘estar’ dentro do rap em Rio Grande foi o fato de eu não me identificar no rap em Rio Grande. Eu nunca tinha visto a necessidade de estar fazendo rap. Não que não houvesse a necessidade, mas eu não enxergava. Eu nunca conheci uma MC aqui da região. Eu não me identificava. E eu sabia que podia fazer.


E o conselho que eu dou pras manas: se não estão satisfeitas e querem estar dentro do rap... Esteja. Resista dentro do rap. A dificuldade sempre vai ter. Mas se façam presentes, se pronunciem se manifestem. Façam o rap, façam poesia, gritem! A gente tem que aproveitar que esse é o nosso momento. Nosso momento de voz, de vivência, de fazer história sem que ninguém mude nossa história. Mulheres, resistam. No rap local, na cidade onde você mora. Se manifeste da melhor forma.


Eu espero pro futuro o melhor que eu possa conseguir fornecer pra mim e pra todas as pessoas que estão comigo e que se sentem influenciadas, se identificam com meu trabalho. Eu não faço só por mim. Eu faço por todos e todas. Represento as mulheres negras, mas também represento os homens negros. A dor nos une. O futuro tem um grande peso e uma expectativa muito grande. Eu não consigo pensar que vai dar errado pra mim. Os próximos passos estão sendo trabalhados pra que sejam passos mais firmes. E pra que sejam passos mais diretos. No sentido de estabilidade. O próximo passo é criar um reconhecimento maior. Fazer com que meu trabalho siga abrindo portas, conquistando pessoas e ajudando pessoas Quero trabalhar no meu disco. Agora tô trabalhando no meu primeiro EP. Um EP de cinco faixas, se chama “Gotas da Deusa”, um EP extremamente pessoal.


Imagem: Nicolas Silveira

“Esperança”

Se eu pudesse escolher uma palavra pra me definir... Esperança. Eu sinto muita esperança sobre as coisas. Desde que me conheço por gente, eu nunca desisti das coisas facilmente. Sei reconhecer quando as coisas não são pra mim, mas quando eu percebo que é... Esperança me define muito. Eu sinto esperança em tudo o que eu construo, sinto esperança em melhorar. Eu sonho. Eu sonho muito. Gosto de ser essa “coisa” que sonha e que luta.


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* Batalha da Xavier. As batalhas de rima ganharam popularidade no Brasil na década de 90 e passaram a ganhar mais espaço nos anos 2000, no Rio de Janeiro, com a Batalha do Real. Aqui, a Batalha da Xavier acontece na Praça Xavier Ferreira, toda quinta-feira, com o objetivo de fomentar a cultura do rap na cidade do Rio Grande. Basicamente, as batalhas acontecem em uma espécie de roda e contam com um apresentador, dois MC’s, que iniciam a rinha de rap e o público, que decide quem é o vencedor. Existem dois tipos de batalha de rap: a de conhecimento e a de sangue. Nas batalhas de conhecimento, os MC’s precisam desenvolver as rimas a partir de um tema escolhido pelos organizadores. No caso das batalhas de sangue, os MC’s devem atacar verbalmente seu adversário. As batalhas são duelos de improvisação.

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Sobre o trabalho de Pérola Negra


Lançado na última quinta-feira, 13, o EP Gotas da Deusa tem voz e letra da artista (além de participação de Yas Werneck na faixa 4), instrumental, mixagem e masterização de Duckbeats, gravação de Afrogang Records, direção visual e fotografias de Ah Nanse. Corre lá pra ouvir. MESMO.


Os videoclipes de Guento e História Cruzada dão uma boa noção do recado que a MC tem dado com sua arte. E você encontra essa mulher incrível e talentosa no Facebook e no Instagram. Aproveita e fortalece a proposta, dá like, compartilha, troca uma ideia.



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