É como nadar na viscosidade de um outro tempo
móveis flutuando no todo branco
e eu
próxima às almofadas
desato um fio das costuras
no avesso da casa
paredes engolindo portas
janelas não mais que molduras para quadros tristes
disputo com as plantas o sol das onze
disputo com as gatas o parapeito interno
assistimos ao surgimento de uma figura humana
depois outra, duas, três
dedos de luva se abrem sobre o vidro
na tentativa (inútil) de afastá-las
estou deitada em algum momento que não pertence ao calendário
deitada na ausência de luz
nem frio, nem dor, nem um ruído sequer
num vazio maior que a escuridão
estou deitada
sobre uma pilha de corpos no intervalo entre os dias
abrir os olhos no todo branco é como
acordar ou sonhar que se acorda
acordar e nadar até às cortinas
abri-las com os cotovelos
lamentar o silêncio das esquinas
a solidão repentina da Figueira
lamentar o desaparecimento daquela mesma figura humana
como se um dia tivéssemos ornado
com a paisagem natural.
Sobre Ju Blasina: Nascida em Porto Alegre, crescida em Rio Grande, Ju Blasina é poeta e feminista. Cursou biologia e letras pela FURG. Publica em e-zines e jornais de sua região desde 2009. Lançou dois e-books independentes (2010 e 2014) e seu primeiro livro, 8 horas por dia, pela Concha editora em 2017.
A solidão repentina da Figueira.
Fiquei em silêncio a contemplar, adorei!👏👏👏