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Dois poemas de Lena Fuão

POUCA GENTE


generosidade é coisa de gente?

há muitas pessoas, mas poucas gentes

generosidade é coisa pra fortes

faz tão bem pra todos

flor rara como a do açafrão

cara como pedra mais preciosa


e tento ser melhor a cada dia

me cobro, nem sempre alcanço

fracasso


não sei bem como fui parar ali

a vida tem desses acasos propositais

leitos dores gemidos

esperanças e desesperos

só sei que estava ali

abraçada àquela mulher-menina

tão frágil

tão frágeis nós

escleroses muitas múltiplas

dela e minha


do que é que a gente se queixa mesmo?

dinheiro roupas rugas

ela? Suas pernas tremiam

não sustentavam seu corpo mole

queria sanduíches

se pudesse lhe alcançaria todos

os mais saborosos

para suportar tardes famintas


num curto lapso de consciência

me agradece pela gentileza

mas que gentiliza? pergunto eu


tudo ficou tão pequeno

minha vida tão pequena

meus poemas tolos

inúteis

meus problemas

quais são mesmo?


naquela tarde de caminho desviado

enorme lição que nenhuma academia me dera antes

somos uns pelos outros

e nada

ou nada


volto pra casa em silêncio

já não canto na estrada

já não consigo cantar

mas não volto igual

não devo


fica bem, maria

fica bem, rosa

que o mundo de mãos dadas

fica bem mais quentinho


GRAVIBUS VERBUS


minhas palavras são duras, coração

mas é que foram esculpidas a maçarico

e blindadas à prova de inverdades

tá certo, ok

não funcionam bem, me traem

mas quando preciso as coloco a postos

em forma de exército para trabalharem pra mim


minhas palavras quando as digo

deixam em mim um gosto de fel

e, sei, levam consigo um amargo maior ainda


logo depois vem a desculpa

palavra enjoada nauseante

não porque não me arrependa

mas porque sempre sai pela porta de mim

com ar de escárnio


Lena Fuão

Sou professora de língua portuguesa, espanhola e literatura e mãe da Olívia. Quase tenho certeza de que amo viagens, gatos e vinhos mais do que pessoas. A fim de me encontrar, e sem obedecer fronteiras, viajo pela prosa, poesia, crônica, prosa poética, miniconto, que importam os gêneros se nem eu mesma me entendo?


Sobre a pessoa e outros poemas (2012) e Lave a boca pra falar e poesia (2017), ambos pela Editora Livraria Mundial, são minhas obras publicadas, mas alguns de meus textos podem ser acompanhados pelos perfis @helenafuao e Lena Fuão.

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