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Eu entre duas palavras

Atualizado: 9 de set. de 2020

Eu sou extremamente exigente comigo mesma, já comecei esse texto três ou quatro vezes antes de botar ele no papel. Pensei muito sobre como estrear esse espaço privilegiado. Tem tanta coisa importante acontecendo… Imaginei que a maneira mais justa de me apropriar desse lugar seja me apresentando, mas não sei se sou boa com apresentações. Refleti sobre os temas que me propus a escrever e parei em duas palavras: mulher negra. Gosto dessa junção, me fortaleço entre essas sílabas que se tornaram tão importantes pra mim desde que aprendi que o mundo não quer que eu as use. Entre movimentos antirracistas, genocídio negro lá fora e aqui dentro, Black Lives Matter e quarentena, essas duas palavras - mulher negra - me definiram muito durante as últimas semanas. Fui, por muitas vezes, fonte de informação. “Estou te perguntando porque tu és uma mulher negra”, “te convido porque tu és uma mulher negra”, “tu és uma das mulheres negras que eu conheço...”. Fui ficando pequenininha entre essas palavras, que foram repetidas tantas vezes que acabaram por fazer cada vez menos sentido para mim. Meu tom de pele mais clara me torna mais passível e meu lugar confortável me permitiu não passar nem 1% de trabalho que outras mulheres negras passam - é doido pensar que estamos todas rotuladas entre essas duas palavrinhas.


Em um desses espaços (que eu sou tão grata) que ocupei ao ser convidada para falar da minha experiência como mulher negra, me questionaram o que eu espero da sociedade, um desejo meu, e eu não soube responder. Agora eu sei: gostaria que, do fundo do meu coração, o mundo reconhecesse e apreciasse tudo que existe entre essas duas palavras. Gostaria, com todas as minhas forças, que cada pingo de individualidade e diversidade das mulheres negras ao redor do mundo fosse celebrada. Gostaria que todas fossem apresentadas e vistas, com olhos de verdade, como pessoas de verdade. Gostaria que todas as vozes, as nossas vozes, fossem ouvidas com toda a atenção e o cuidado que ouvimos nossas músicas favoritas. Gostaria de liberdade para toda e qualquer mulher se sentir e se portar exatamente do jeito que ela deseja se sentir e se portar - sem amarras, sem expectativas, sem pressão.


Essa mudança, essa revolução que eu espero do mundo comecei há pouco tempo comigo mesma. Comecei a me reconhecer entre todo o universo que há entre essas duas palavras e me questiono aos poucos o que realmente é meu e o que é algum peso que me foi colocado por existir entre essas duas palavras. Me questiono, mas não deixo me questionarem, bato no peito e defendo o que é meu. Aprecio cada pedacinho do que me constrói, as partes boas e ruins, e aprecio cada pedacinho de todas as mulheres negras que estão à minha volta. Não deixo mais ninguém definir como me olho - meu olhar é apenas meu e eu quero me enxergar por inteiro, do jeito que eu sou. Falo diariamente comigo mesma, escuto a minha voz, dou risada de mim mesma e me surpreendo com o tanto de coisa boa que pode sair daqui de dentro.


Por fim espero, aos poucos, levar essa revolução pelo máximo de lugares que eu puder.



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