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Labirintos

Para andar em caminhos difíceis e corações alheios preciso ouvidos atentos para escutar os silêncios.


É como caminhar em uma trilha onde tudo importa: o quebrar de um galho, a voz de um pássaro, a folha que cai, o lodo, a lama que se avizinha, a rocha escorregadia. Para andar em caminhos difíceis preciso reconhecer os corações alheios.


E por alheios, saber que são estrangeiros e não me cabem nem podem ser possuídos.


Para andar em corações alheios preciso reconhecer que os caminhos são difíceis. São caminhos desconhecidos, estranhos, por mais que familiares e tantas vezes caminhados.


É sempre diferente ainda que o mesmo.


Corações, como caminhos, estão sujeitos a chuvas e a sóis, mudanças de rota, de ideia, a barreiras e enxurradas. A pedras e a pedradas, buracos, abismos. Estradas interrompidas, afetos desencontrados.


Para andar em corações difíceis e caminhos alheios, preciso olhos atentos para ver os silêncios. Para ler os sinais, perceber o indizível, decifrar os enigmas. Para escolher as bifurcações, estudar placas e pardais, adivinhar entrelinhas.


É preciso saber quando parar. (De caminhar em coração alheio.)


Para andar em caminhos e corações difíceis e alheios preciso, além de olhos e ouvidos, bocas atentas para romper os silêncios. Sem colidir, sem ferir a mim mesma ou a mais ninguém.


Preciso escolher as palavras apropriadas como quem escolhe uma fruta, uma erva, uma dose- palavras são cura e veneno. Falar só o que pode ser escutado e o que precisa ser dito, pisando e tocando com cuidado no terreno íntimo e sempre confuso que é um coração que não é o meu, é alheio.


Em tempos de caminhos e corações difíceis, é preciso reconhecer que o alheio é isso, o que não me pertence, e como tal, algo que não controlo - e nem me compete controlar.


Em tempos de corações e vozes alheias, que sangram e que gritam, reconhecer - e respeitar- o outro fora de mim, de nós, é cada vez mais o melhor, senão o único, caminho.

Trabalho como médica, me traduzo como escritora. Saí de um lugar para onde não pretendo voltar. Agora sigo os desvios, marcando com pétalas e palavras meus descaminhos. O amor errado mais certo do mundo (Concha Editora, 2017) é meu livro de estreia.

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