Se há uma coisa que se tornou recorrente na minha vida nos últimos, é a Andréia Pires pedir para que eu escreva algo e eu entregar um texto a ela. Desta vez, não é um texto literário ou experimental, na verdade, ela nem disse o que escrever. Disse apenas: escreva.
E como não sou bobo, escreverei.
Mas fica a dúvida: o que escrever para a primeira publicação nesta coluna?
Devo falar sobre Literatura, disso está claro. Mas o quê exatamente?
Vou para a zona de conforto e mando um conto engavetado há anos? Tento uma crônica, sendo que há cronistas maravilhosos que fazem parte da Concha? Meto um poema com síndrome modernista e me faço de louco? Ou me arrisco a falar sobre criação literária e vejo se dá algum resultado?
Neste primeiro texto, decidi me enveredar na última pergunta. Espero que dê resultado – para mim, para a Andréia, para os leitores...
Todos estes questionamentos surgem no momento da escrita de um texto literário: qual temática abordar? Que estilo empregar? E restrinjo à escrita de um texto narrativo – minha seara – como desenvolver o enredo? E os diálogos? E aquela cena?
Antes de tudo, devemos pensar sobre as personagens. Como criar uma boa personagem? Como fazer com que ela seja “comprada” pelos leitores e leitoras? O que devo incluir na sua personalidade? Que decisões ela deve tomar em determinada situação? Ela vai morrer? Ela vai matar? Ela? Ela...? Ela!
Um dos segredos de uma boa personagem é não colocá-la avulsa em alguma história, mas fazer com a história parta dela. Afinal de contas, temos uma história se tivermos algum conflito. E isso parte, veja só, da personagem. Quando lemos/vemos/ouvimos uma narrativa, nós precisamos nos tornar empáticos com a personagem, com os seus dilemas, suas dificuldades e seus triunfos. Se não temos uma relação íntima com a personagem, logo perderemos o interesse com a narrativa.
Mas como criar uma personagem que conquiste o leitor?
É fácil, mas não é simples: torne a personagem humana.
Despeje humanidade nas suas personagens e faça-as agirem como humanos agem. Ora, por que nós sofremos com a cachorra Baleia, na obra-prima de Graciliano Ramos, Vidas secas, de 1938? Porque o escritor alagoano injetou humanidade na pobrezinha – ela é emotiva, arrogante, confusa, ora tímida, ora expansiva, amável, melancólica, etc. Graciliano faz com que tenhamos uma empatia pela Baleia e cremos que ela poderia, no final, sair da carapuça canina e ser uma pessoa de verdade.
Torne as suas personagens humanas. Dê a elas conflitos, dê a elas contradições – por acaso, não somos contraditórios todo o dia, todo o tempo? – dê a elas conta de luz, fofocas, amores, ódios, dores de barriga, tesão, pensamentos moralmente questionáveis, triunfos, derrotas, e, principalmente, algo com o que se importar. Se conhecemos uma personagem que se importa com algo, ela se decepcionará se acontecer algo com o objeto de importância, e sentiremos essa decepção.
E estaremos conectados com o conflito da personagem.
E quereremos o desenvolvimento da narrativa.
E desejaremos uma história.
Uma história que não seja a nossa. E quereremos saber o final dela. O grande trunfo das narrativas: elas terminam. As nossas nunca terminam. E gostamos de um final de história – por isso, filmes ou livros com final aberto ainda têm resistência do público, mas isso pode ficar para outro texto.
Por isso gostamos e queremos tanto uma história de mentira, porque elas terminam.
E adoramos uma mentira. E isso a ficção nos dá, mas isso também pode ficar para outro texto.
Por isso, se quer conquistar o leitor, cuide bem da construção da sua personagem. A história agradece e os seus leitores também.
Cristiano Vaniel é professor de Literatura, escritor, vive em Twin Peaks, fuma Red Apple e é embalado por synthwave.
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