I.
Adão deu nome a todas as coisas
se pedra não se chama flor
se tronco não se chama pluma
se água não se chama terra
e mesmo o ornitorrinco
é mérito de Adão
Adão, o primeiro terceirizado
nascido do cansaço de Deus
pois nomear é um tédio
bem sabemos
Adão chamou hora extra
o que fazia cansado.
II.
Adão era um humano livre
dentro dos limites do jardim
da cerca viva a queda d'água
exceto por aquela árvore
a mais exuberante e frondosa
esferas rubras cintilando no verdume
beletrismo foi a primeira doença autoimune
De bruços sob o sol ele criou o bronzeado
pensando naquela sombra superestimada
Adão chamou maçã o que não podia tocar.
III.
Veio com nome a Mulher
primeira bonificação
não ter que chamá-la mulher
não ter que chamá-la maçã
não ter que chamá-la coisa alguma de imediato
Obrigada, Deus-pai: a mulher, esse alívio
Com o advento da Mulher
Adão foi promovido Homem
tudo ao preço de uma costela
1/24 costelas, 1/206 ossos
E Adão sentiu-se rico
pela primeira vez.
IV.
Em um dia de muito sol
a mulher fez amizade com a cobra
a cobra não tinha os dedos de Adão
Adão carecia da língua bífida
foi ele quem disse bífida
e cobra
ele, o minúsculo
pois ELE gostava do que via
nas câmeras de segurança.
V.
Não foi o chocalhar do guizo
naquele tempo, a cobra falava
não tinha que usar o rabo
como fazem umas e outras
palavras de Adão
a cobra fez Eva sonhar a suculência do fruto
Eva, um nome para a costela animada
por que não costela a primeira Ela?
Adão gostava de mostrar serviço.
VI.
Foi por inveja que Adão mordeu
não por fome
inveja do que a mulher sentia
inveja daquilo que chamou gozo
o suco a verter da fruta
inveja da truculência da cobra
essa fêmea arrastada sobre o ventre
amaldiçoada mesmo antes do pecado
Adão apontou o dedo para Eva
pensando numa nova palavra: décimo terceiro!
foi quando Deus criou a demissão por justa causa.
VII.
Adão saiu com uma folha
pequena
Fecharam-se as portas do Éden
Todos os nomes ficaram com Deus
o copyright foi criação de outra empresa
Eva foi condenada à companhia eterna de Adão
O primeiro terceirizado chamou de amor
a saudade do osso.
(extra)
A cobra foi exonerada
não usa mais esse nome
ganha a vida em Nova Iorque
Lili, dançarina exótica
o público vai à loucura
com seus ésses chiados
foi ela quem sussurrou essa hixxtória
saboreando um bloody mary num sábado de sol.

Sobre Ju Blasina:
Nascida em Porto Alegre, crescida em Rio Grande, Ju Blasina é poeta e feminista. Cursou biologia e letras pela FURG. Publica em e-zines e jornais de sua região desde 2009. Lançou dois e-books independentes (2010 e 2014) e seu primeiro livro, 8 horas por dia, pela Concha editora em 2017.
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