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Saudade

Saudade, s.f., Lembrança melancólica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa (s) ou coisa (s) distante (s) ou extinta (s).

Mini Aurélio Dicionário de Língua Portuguesa


Retomo a definição dessa palavra tão especial para comentar dois livros lidos recentemente. Ambos são compêndios modestos de vocábulos “intraduzíveis” nas mais variadas línguas e, um deles, Other wordly: words both strange and lovely from around the world, da autora estadunidense Yee-Lum Mak, foi especificamente inspirado pela palavra saudade. Vou tentar fazer uma tradução livre do que ela fala na abertura do livro:


Other-wordly começou quando eu me deparei com a palavra portuguesa ‘saudade’: ‘amor que permanece’, um anseio por alguém ou algo que você amou e, então, perdeu” (MAK, 2016, p. 1).


Traduções são sempre imprecisas, até mesmo quando tentamos “traduzir” uma ideia na nossa própria língua, pois as palavras existem em sua completude e beleza da multiplicidade. Estou falando isso pensando no poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz e o quanto a palavra em um poema é insubstituível. Devaneios à parte, eu amei como Yee-Lum definiu “saudade”: “a love that remains”.


A britânica Ella Frances Sanders também reuniu em um volume ilustrado as palavras intraduzíveis, cujo título é Lost in translation: an illustrated compendium of untranslatable words (2014). Sua definição de saudade, traduzindo mais ou menos: “um desejo vago, constante, por algo que não existe e provavelmente não pode existir, um anseio nostálgico por alguém ou algo amado e, então, perdido” (SANDERS, 2014, n.p). Achei um pouco radical demais essa coisa do desejo da coisa que não pode existir, mas, ok, há um espectro na palavra no qual cabe esse sentido.


Uma linguagem tem poder e representa uma maneira de estar no mundo. Por isso é tão difícil tentar pensar certas situações para as quais não temos correspondência, quando tentamos reduzir a apenas um vocábulo na nossa língua.


É o exemplo da palavra urdu “naz”: “o orgulho e a garantia de saber-se amado incondicionalmente”. A língua urdu, segundo a Wikipedia, é “uma língua indo-europeia da família indo-ariana que se formou sob influência persa, turca e árabe no sul da Ásia durante a época do sultanato de Deli e do Império Mongol (1200-1800)”.


Linda também é a palavra japonesa “Wabi-sabi”: “encontrar beleza na imperfeição, uma aceitação do ciclo de vida e morte”, ou então esse substantivo engraçado, de origem malaia: “pisan zapra”, isto é, “o tempo necessário para comer uma banana”.


O livro de Yee-Lum Mak possui muitos exemplos da língua inglesa, o que não acaba ocorrendo no conjunto de Sanders. Temos, por exemplo, “oniochalasia”, substantivo que significa “fazer compras como um método de relaxamento ou para aliviar o estresse” (MAK, 2016, p. 13).


Tanto Lost in translation quanto Other wordly não fornecem uma contextualização histórica nem etimológica para os vocábulos apresentados. Essa ressalva é importante, mas creio que os trabalhos possuam sua validade do mesmo jeito.


Em meio a tantos acontecimentos que nos fazem perder a crença de um futuro – de qualquer espécie! – é importante dividir o nosso tempo entre as urgências que nos chamam enquanto sociedade e colocar nossa energia naquilo que nos faz feliz.


As palavras me fazem sorrir e aprender como outras pessoas se relacionam com sua própria língua, mesmo em uma amostragem tão pequena quanto essa, me faz feliz do mesmo jeito. A propósito, feliz é uma palavra bonita. Mal se pronuncia – oral ou mentalmente – e já dá vontade de sorrir.


Termino traduzindo um trecho da introdução de Lost in translation, pois resume muito do que tentei dizer através dessas duas autoras:


Por mais que gostemos de nos diferenciar, nos sentirmos como indivíduos e delirarmos sobre expressão e liberdade e as experiências únicas para cada um de nós, somos todos feitos da mesma substância. Rimos e choramos do mesmo jeito, aprendemos palavras e as esquecemos, encontramos pessoas de lugares e culturas diferentes da nossa e ainda, de alguma forma, nós entendemos as vidas que eles estão vivendo. A linguagem envolve sua compreensão e pontuação em torno de todos nós, tentando-nos a cruzar fronteiras e ajudando-nos a entender as perguntas impossivelmente difíceis que a vida incansavelmente atira na gente (SANDERS, 2014, n.p.).


Lost in translation: an illustrated compendium of untranslatable words foi ilustrado pela própria Ella Sanders, enquanto Other wordly: words both strange and lovely from around the world foi ilustrado por Kelsey Garrity-Riley.


Para essa coluna, usei a edição física de Other wordly e a edição Kindle de Lost in translation.


Para quem quiser conhecer mais, acesse: Yee-Lum Mak e também Ella Frances Sanders.



Suellen Rubira é doutora em Letras – História da Literatura pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Ama livros e música e fotos de animaizinhos fofos.

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