Escrevo diretamente de qualquer dia, depois de muitos "qualqueres dias" da fenda espacial em que passamos a viver. Não mais os sapatos, mas as paredes, sempre as mesmas paredes me acompanham em todos os lugares.
Para que seja possível conviver com a aglomeração de tantas de mim, uma vez ou todas acontecem reuniões de condomínio mentais. Algumas funcionam da forma mais clássica: a gente já se programa para ouvir os mesmos de sempre, reclamando o mesmo de sempre, vários nadas acontecem. Outras eu deixo de ir, fico sabendo sobre o que foi tratado por alto, quando acordo. As reclamações nas últimas reuniões foram sobre o barulho do pessoal que trabalha no setor dos sonhos, volta e meia deixam algo cair ou se empolgam com produções exageradas. Outro clássico em reuniões de condomínio, mas a mais nova, que surgiu de uma voz tímida no fundo da sala: sobre o espaço.
Um condomínio já de "tantas gentes", alguns personagens que inventei demais, outros menos, são quase como os originais, só que de mentira. Vivem por tanto tempo e tão dentro de mim que volta e meia dividem espaço com as Eus, tirando os que deixo no porão. Existem os que viveram apenas em páginas até viver dentro de mim, outros em pixels, ondas sonoras, cheiros e cores. Agora a pauta é sempre a mesma: Eles querem espaço, espaço para deixar vazio e espaço para deixar gente entrar.
Condomínio é uma ilustração interessante sobre o controle, estrutura, caixinhas, o que pode e o que não pode entrar e a maior das ilusões: a existência de um espaço dentro e um espaço fora. Um cara qualquer diz que quando estabelecemos fronteiras quer dizer que existe a possibilidade de tal local ser atravessado.
Digo isso em um momento em que de dentro acessamos o fora mais que nunca: passamos a perceber o outro como O Outro, o outro como ameaça, ou o outro como quem quer conter. Conter os impulsos alheios, conter nossos impulsos, conter de contenção ou conter de conteúdo? O que precisamos (e será que precisamos) conter em nosso mundo interno para que possamos acessar o mundo externo?
Enquanto me faltam respostas eu faço visitas aos personagens em seus contextos originais: acesso os pixels, abro e rabisco páginas, toco interfones fantásticos e celulares reais. As narrativas de si, narrativas do mundo e narrativas sobre narrativas são minhas calçadas. Até começar uma nova reunião de condomínio.
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