Este texto foi produzido a partir da Oficina de Escrita Criativa O corpo conta.
Fazia calor até ontem. As noites eram quentes e a cama convidativa, porque nela tinha o teu perfume doce nos meus lençóis e travesseiro. Até hoje eu não sei o nome daquela essência, mas sempre me lembrou morangos. Talvez, por isso, seja a minha fruta favorita. Ela tem o mesmo gosto que nós agora temos e a sazonalidade com que nos encontramos – acho que deve fazer seis meses já.
Calcei meias de lã, coloquei uma toca, mas me neguei a usar ceroulas. Meu preconceito com elas diz que eu não tenho mais idade para usá-las e que ainda sou muito novo para que elas voltem a fazer parte da indumentária de minhas pernas. Meu peito deixou de aquecer e não tive alternativa senão me esquentar com café, uma vez que aquele último pacote de erva mate que compramos mofa no armário da minha cozinha. O sabor do Rio Grande do Sul se azedou como morangos na minha língua.
E agora o meu companheiro é o vento frio que sacode as cortinas das minhas janelas fechadas. Me apetece apenas o café com pouco açúcar, a cerveja cara e o vinho seco. O cheiro de morango sumiu no mar inodoro dos aplicativos que não me levam a lugar nenhum, enquanto meus olhos estão nas minhas costas, num dia, numa ocasião, quando a erva mate tinha gosto dos nossos corpos entrelaçados e do teu rosto adormecendo no meu braço.
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Pedro Antonacci Porciúncula escreve desde 2005, mas somente em 2010 passou a encarar a escrita com seriedade, tornando-se um dos coordenadores do livro “Poetas de Pijama da FURG”. Atualmente ele é autor e editor do projeto Inspira (no Facebook | no Instagram) que tem a proposta de publicar contos, crônicas e poemas em formatos de leitura rápida, e escreveu o livro Epifonia, pela editora Chiado Books.
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