Este texto foi produzido a partir da Oficina de Escrita Criativa O corpo conta.
Era a mesma casa, com aqueles quadros na parede, a mesa redonda e um pequeno corredor. A cada passo eu podia escutar as risadas, as conversas e a correria daquele tempo. Sentei-me à mesa e agora meus pés já conseguiam tocar o chão. Trinta anos se passaram. Olhei para o antigo quarto, tentando lembrar de sua disposição.
- Vamos tomar um cafezinho?
- Claro. – respondi ainda inebriada pelas recordações. E segui para a cozinha pensando no quanto aquele espaço ainda me era familiar.
Essa porta deve ser o banheiro, acho que ali adiante tem um pátio, lembro de uma festa de aniversário, como eu gostava dessa vizinhança...
- Toma, faz o teu café, deixa que eu te sirvo a água.
- Obrigada. Tem açúcar? – perguntei sem ter a pretensão de adoçar.
Tirei a tampa do vidro, observei seus enfeites que pareciam pintados à mão, e servi o café granulado absorta pela emoção de estar ali.
- Diz quanto queres de água.
Quanto eu quero? Pouca, pois logo já vou embora. Ou muita, quero demorar aqui nesse recorte de espaço e de tempo. Não sei, fiquei pensando enquanto a xícara enchia e só deu tempo de dizer:
- Está bem assim.
Observei o café dissolvendo na água assim como as minhas memórias diante dos diversos assuntos que foram surgindo. Um gole, estou de volta no presente. Conversas, risadas, problemas, sugestões e estamos em 2019 outra vez.
O café acabou, o relógio de madeira na parede marcou nove e meia. Fui até a porta da frente, avistei o outro lado da rua e era como se eu ainda vivesse lá. Pela primeira vez pude ver a nova casa, construída depois que fui embora, com o portão sendo aberto e um feixe de luz. Será que quem agora nela vive imagina o quanto de vida eu vivi por lá? Tive vontade e medo de me aproximar.
Fiquei parada na rua escura e sem nenhum movimento. Mais um pouco estaria sentada na calçada olhando as estrelas e esperando minha mãe chamar. Logo eu sempre tão preocupada, por alguns instantes esqueci de qualquer perigo que exista atualmente.
- Até logo, aparece.
- Volto sim, eu me sinto segura aqui.
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Cristiane Marcos nasceu em Rio Grande, formou-se psicóloga na UFSC e é professora na FURG desde 2012. Gosta de Mafalda, Chico Buarque, teatro, Florianópolis e de conversar, não necessariamente nessa ordem.
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