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Os imperdoáveis

"Você deixou meu mundo muito pequeno, e eu não te perdoo por isso."

Essa frase foi dita em uma série, por uma personagem vítima de estupro – durante o julgamento do estuprador. A série é a ótima Inacreditável, e está disponível na Netflix. Vale muito assistir, mas essa crônica não é uma resenha e não é sobre isso que quero falar.


Quero só roubar essa frase e viajar nos muitos significados dela.


Quero dizer do medo, o medo que, há tempos aprendi, é ele o oposto do amor, e não o ódio.


É o medo que impõe os limites e cerca as fronteiras de nossos atos e pensamentos, ele que constrói os muros de nossas prisões, reais ou imaginárias.


Tudo que eu temo me aprisiona e me faz menor, menos flexível, mais reativa. Já cantou o poeta que a raiva é filha do medo, a mãe da covardia.


Não dá para perdoar nunca quem torna pequeno nosso mundo. Quem em nós inflige o medo, restringe nossas liberdades diárias, quem constrange nosso existir, não é perdoável.


Quem invade nosso espaço, armado até os dentes, seja de preconceitos ou mágoas, seja de faca ou revólver, não dá para perdoar.


Não dá para desculpar quem prega a morte como política, quem rega a violência com agrotóxicos, quem queima esperanças feito mato.


Não dá.


Não tem como perdoar quem festeja assassinatos e os deseja, quem não tem outra saída além de provocar a dor, própria ou alheia, não tem como.


Não se pode desculpar quem censura livros, quem põe lenha em fogueiras, quem despreza a arte e a poesia. Não se pode perdoar.


Não dá para perdoar a brincadeira de mau gosto. Nenhum mau gosto pode ser desculpado.


Não se perdoa quem machuca uma mulher, seja física ou psicologicamente, quem faz pouco de professor, quem despreza a educação, a liberdade, a diversidade.


Não se desculpa os matadores de infâncias, jamais. Assassinos de futuro, viúvos de passado.


Não há perdão para quem fere por gosto, para o hipócrita, o estuprador, para quem arromba corpos, casas, sonhos.


São imperdoáveis os cabeças, os cúmplices, os coniventes e os que calam. São todos culpados.


Não dá para desculpar tanta falta de jeito, tanta falta de respeito, tanta bala perdida.


Vocês estão deixando nosso mundo menor, e nós não vamos perdoar, nós não vamos relevar e menos ainda, esquecer quem vocês são.



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