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D I S T A N C I A M E N T O S O C I A L

U m a r u a v a z i a d e m a n h ã z i n h a s e e s t e n d e ao i n f i n i t o .


P o r t a s t r a n c a d a s , j a n e l a s f e c h a d a s , p e s s o a s i s o l a d a s .


A p e n a s o s o l e m e v i d ê n c i a , l e v a n t a a a n d o d e v a g a r ,

p o i s o s o l é i m p e c á v e l e m s e u d i s t a n c i a m e n t o s o c i a l .


D e r e p e n t e , u m ô n i b u s .


Um ônibus?

Umônibus!

E a parada se transforma em um mar de gente.

No letreiro: Deixai toda esperança, ó vós que entrais.

Próxima parada: inferno.

Sobem enfileirados homens e mulheres (crianças e idosos), moribundos, desmanchando-se aos poucos, portando apenas as roupas do corpo e as máscaras surradas de ontem (e de anteontem, e de anteanteontem...). Empurrados para dentro (sem negociação), engolidos pelo transporte p ú b l i c o para que possam fazer a máquina rodar (pois a máquina nunca pode parar de rodar). Entram (pedaços de) indivíduos pela porta da frente, aglomeram-se em uma grande e indiferenciada massa humana no interior do veículo e, com azar, voltam a sair pela porta de trás ao final do trajeto, como restos de um açougue despejados ao a r “livre” para o gozo sanguinário dos cães. E s t a m o s e m p l e n o (m) a a a r . . . Um navio negreiro cruzando o asfalto. Não há comandante, há um barqueiro humilde e também em pedaços (Caronte) que conduz mecanicamente o espetáculo de horror pela cidade, não tardando a se confundir com o grosso do aglomerado, como se a desgraça fosse tomando seu próprio rumo, incontrolável. As máscaras vão deixando de fazer diferença (se é que algum dia fizeram para aquela turbe de condenados) e da massa disforme e sem rosto vai surgindo apenas um colossal respiradouro, expelindo vírus, aspirando vírus, expelindo vírus, aspirando vírus... As janelas se abrem do alto dos apartamentos de luxo e de lá gritam os que ainda se podem dizer indivíduos: Absurdo! Absurdo! Fiquem em casa! Eagrandemassaderestoshumanosnãoconseguemaisouvir.Vaiaumentandoeaumentandoeaumentando,transformandoseemumburaconegro,umimensoburaconegroqueengoleoônibusoasfaltoasruasacidadeoestadoopaísinteiro...


P o r é m ,


d o a l t o ,


l á á á d o a l t o ,


o S O L c o n t i n u a m a j e s t o s o


p a i r a n d o i s o l a d o


e m u m c é u i m e n s o e a z u l f e i t o c o m o q u e a p e n a s p a r a E l e ,


a p r e c i a n d o c o m g o s t o


a t r a g é d i a h u m a n a .



Lucas Zafalon Garcia (1998) nasceu em Rio Grande (RS) e sofre, desde a epigênese da infância, de verborragias – pensa em renovar o homem usando borboletas, pois sabe que um galo sozinho não tece uma manhã. Formou-se, portanto, como consequência direta dessa condição, em Letras Português-Inglês (FURG) e atualmente é mestrando em Letras (UFRGS), na área de Estudos de Literatura, em que almeja estudar a literatura em tensão com a teoria social, a filosofia e a psicanálise. Publicou crônicas esparsas no falecido Jornal Agora e é autor do livro de contos Esta nossa tautologia, a ser publicado pela Concha Editora em 2021. Além disso, vez ou outra, compartilha alguns rascunhos poéticos despretensiosos em seu perfil do Instagram (@luczafalon).

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