As cochonilhas estão devastando a bergamoteira. Ela resiste com o pouco que tem. Assim têm sido os ciclos.
Já tentei de todas as formas conter a reprodução dos males, alimentada por formigas que vez que outra vêm à superfície, fiscalizadoras. De todas as saídas, talvez a mais eficaz sejam as joaninhas. Quero joaninhas. Mas elas não voam espontaneamente até o terceiro andar.
Li que talvez gerânios resolvam o problema. Quero gerânios. Se não conseguir vencer as benditas depois deles, talvez só me reste a memória da bergamoteira. Talvez mesmo com eles. Talvez os gerânios sejam apenas o rito final de despedida daquilo que a bergamoteira encerra.
A bergamoteira nunca deu bergamotas. De todas as minhas plantas, ela talvez tenha sido até aqui a mais resistente, e também a mais atacada pelas pragas. Seja qual for o tempo, qual for a estação. A bergamoteira parece instaurar em alguma medida essa companhia permanente. De todas as minhas plantas, sinto que talvez a perda dela seja a que mais me doa no solitário da casa.
Acordei hoje recordando minha avó, enquanto lavava o rosto. Comprei um desses produtos aleatórios de limpeza de pele e que nos vendem juventude enlatada. O meu é pra pele oleosa. Dos meus ancestrais mais próximos, apenas minha avó falava abundantemente da oleosidade da pele. Quando retiro papéis da testa como quem comeu o último pastel, recordo dela. E vejo poesia nessa imagem nada bonita.
Recordei dela também porque ontem, enquanto passeava fotos, vi a letra de algum senhor antigo que parecia ter sido formado na mesma caligrafia. Minha vó adorava bergamotas, mas plantava arrudas. Nunca pôde comer dos frutos da minha bergamoteira, porque não vieram. Mas se tivessem vindo talvez isso ainda não fosse uma possibilidade, ela não chegou a conhecer a minha casa.
Saí da inércia da água no rosto e decidi recolher as plantas da sacada, estão todas secando. As roseiras estão em trânsito, indecididas sobre permanecer ou morrer, elas que ainda não tiveram tempo de se volverem memórias. Ergui os vasos imensos e os trouxe para a sala, não demora terei uma mata nativa em lugar do sofá. Dei-me conta de que já não tenho muitos anos até que a coluna não suporte mais o transportar dos vasos. Dei-me conta ontem, enquanto passeava com a Ísis, que em dez anos talvez sejamos ainda dois solitários vagando pela rua admirando noites, se eu tiver a sorte de contar com a companhia da minha mascote por mais dez anos ainda. Em doze, com certeza, vagarei as noites com a Ísis como lembrança.
E vejo tudo isso no limiar das horas e me pergunto quando vou tratar das minhas cochonilhas.
Ainda há tempo para as joaninhas?
Giliard Barbosa é um tanto de caos que, ao nascer, recebeu da mãe o nome de um cantor, com um L a menos, pra não complicar. Ordenado pela palavra, o rapaz encontrou na poesia uma forma de cantar a ausência. Professor do Instituto Federal, Giliard tem mestrado em História da Literatura (FURG) e está em vias de concluir seu doutorado (UFRGS). Interessa-se pela palavra poética, e seu foco de pesquisa tem sido a escrita de mulheres e(m) trânsitos.
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