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Inspiração e prática

Em uma das minhas leituras, na obra A preparação do escritor (2005), de Raimundo Carreiro, fixei-me no capítulo em que o autor fala sobre a criação de personagem, e percebi uma reiteração: prática de escrita. Em uma entrevista, disponível no YouTube, o escritor Luiz Ruffato ressalta em um determinado momento sobre a escrita e é taxativo: a escrita deve ser diária. O estadunidense, James Ellroy, também ressalta em suas entrevistas: escrevo todo dia.


Enquanto aluno da Oficina de criação literária, em Porto Alegre, o curso de escrita literária mais longevo do Brasil, com duração de um ano, ministrado pelo escritor Luiz Antônio de Assis Brasil, ouvia o principal ensinamento que o professor dizia: escrevam todo dia.


Com tantos artistas gabaritados falando sobre a prática, por que ainda há pessoas que acreditam somente na inspiração para a escrita literária?


O que podemos chamar de inspiração pode ser uma vontade incontrolável de escrever, porém foge em alguns minutos ou horas; ou pode ser uma grande ideia sobre um tema e quer escrever sobre o que veio à cabeça; ou uma grande epifania que logo deve ser passada para o papel.


Pode ser mais? Pode. Mas quero me deter nestes três pontos. Todos estes momentos podem ser considerados uma situação de inspiração completa e a pessoa incorporada pela vontade de escrever se debruça na mesa, papel e caneta (máquina de escrever ou computador) e jorra as letras que formam palavras e sintaxe e escreve e escreve mais e pronto. Nunca mais escreve, somente quando vier a próxima iluminação, o que pode acontecer no dia seguinte, ou semana, ou mês ou ano ou nunca.


Creio que há chances do texto não sair conforme o planejado ou simplesmente ser fraco ou os dois.


Por quê?


Já respondo, mas vamos pensar aqui: que tal um pintor, aquele faz telas maravilhosas e tem uma boa recepção, não importa o público – pode ser geral ou um nicho – será que ele fez aquilo somente possuído pela inspiração. Não, né? Ele teve que trabalhar muito e desenhar muito e estudar traços e perspectivas e cores e mais diversos elementos para chegar a um resultado satisfatório – para ele, público, enfim, saiu um quadro de boa recepção.


E um músico? Estuda teoria musical, partituras, ritmo, melodia e ensaia exaustivamente para criar uma canção linda e que tenha chances de ser bem recebida pelos seus fãs, críticos musicais e tenha chances de sucesso.


Estou falando de artistas. Escritor literário é um artista. Porque somente este não deve praticar o seu processo de criação artística? Porque deve depender somente da inspiração?


Escrever Literatura é trabalho e dá trabalho. As grandes obras que encantam o público vieram de escritores que não dependeram somente da inspiração, mas da prática de escrita. Do estudo da língua, do acerto e do erro, da revisão do texto pronto, de uma nova revisão do texto pronto, do estudo sobre a escrita literária.


Então, queridos leitores/escritores: desprendam-se da visão romantizada do escritor que é tomado por um iluminado momento e, assim, nasce uma obra literária. Pratiquem. Estudem teoria literária. Estudem Escrita Criativa. Leiam as grandes obras. Ganhem massa crítica. E escrevam. Bastante. Todo dia. Ao menos um parágrafo.


Mas não sejam negligentes com o texto literário. Nem com vocês. Nem com os leitores de vocês.


Escrevo não somente para vocês.


Mas para mim também.


Cristiano Vaniel é professor de Literatura, escritor, vive em Twin Peaks, fuma Red Apple e é embalado por synthwave.

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