1.
O som do frasco de barbitúricos
agitados na fluidez do gesto
eviscerar-se sobre os lençóis
sem puxar fios
quando os anéis
quando as unhas
quando os gatos
se espreguiçarem sozinhos.
2.
Será que você se cobriu, querida?
na ânsia esgotada do frio
cobriu-se até a cabeça
um cacho louro pendendo frouxo
e um dedo à espera
de etiqueta.
3.
Trinta e seis anos
quarenta comprimidos
e nenhum gato
(alguém estava contando)
você devia ter escrito ‘procura-se gatos’
caracteres enxugados
naquela nota de jornal
falida.
4.
Eu vi você de bruços
coberta até a cintura
cabelos emaranhados
encerrada em si mesma
um homem lhe apontando o dedo
e nenhum diamante
(desculpe, querida)
esse poema é o lençol puxado
não sei em qual direção.
5.
Quando dizem "descanse em paz"
é de você que eu me lembro
você, fotografada no morgue
você, revisitada no túmulo
um voyeur de órbitas vazias
espiando do andar de cima
e você
sem caneta para da autógrafos.
na eternidade deles.
Sobre Ju Blasina:
Nascida em Porto Alegre, crescida em Rio Grande, Ju Blasina é poeta e feminista. Cursou biologia e letras pela FURG. Publica em e-zines e jornais de sua região desde 2009. Lançou dois e-books independentes (2010 e 2014) e seu primeiro livro, 8 horas por dia, pela Concha editora em 2017.
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