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Um espião negro na Ku Klux Klan


Os banhos de sangue de Duterte na Ásia. Trump minimizando ações neonazistas. Brexit, Salvini e Le Pen barbarizando refugiados em território europeu. Por aqui, um presidente eleito que ridiculariza vítimas do racismo enquanto sonha acordado com kit gay nas escolas. O avanço da extrema-direita e seu rastro de ódio é uma realidade ao redor do globo e urge por focos de resistência artística – nesse contexto, poucos discursos são mais contundentes que a câmera afiada de Spike Lee.


Maior nome do cinema black mundial, o veterano diretor de Faça a Coisa Certa e Malcolm X escolheu a dedo o material explosivo da vez. Em cartaz nos cinemas (alô, Cine Dunas, não esquece a gente!), Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, EUA, 2018) é uma adaptação da autobiografia de Ron Stallworth, o primeiro policial negro do Colorado. Ambientado em 1978, o longa acompanha a surreal história do detetive que, praticamente sozinho, iniciou uma investigação para descobrir detalhes sobre a Ku Klux Klan a fim de antecipar suas ações.


Ao entrar na DP, o novato Stallworth (John David Washington, filho de Denzel) tem como primeira grande missão monitorar uma palestra de Stokely Carmichael (Corey Hawkins), um líder do movimento pelos direitos civis associado aos Panteras Negras. Depois da operação, o policial é transferido para a área de inteligência. É quando Stallworth nota um anúncio da Ku Klux Klan, que buscava interessados em se unir à causa “a favor da supremacia branca”, nos classificados de um dos jornais locais. Junto ao parceiro de delegacia Flip Zimmerman (Adam Driver, o ~galã feio~ de Star Wars), Ron consegue se infiltrar no culto e chegar até o então líder, David Duke (Topher Grace). Sim, estamos falando do mesmo Duke que recentemente elogiou Bolsonaro por ele “soar como a KKK”. E assim – com o verdadeiro Stallworth mantendo contato por telefone e (o branco judeu) Flip, presencialmente – a investigação transcorreu por quase um ano.


A partir daí, o que segue é um jogo de gato e rato que mistura tensão e humor na medida, com elenco sensacional e um enredo que vai ficando cada vez mais amalucado. Poucos cineastas conseguiriam entregar algo tão nervoso e divertido a um só tempo, e Lee é um deles. Sua marca está impressa em cada fotograma: há um apuro visual equilibrando cores quentes, telas divididas e montagem frenética, e a trilha soul vai de Temptations a Prince, passando por James Brown e Bill Withers. Os diálogos são primorosos, especialmente nas ligações telefônicas entre Stallworth e Duke ("O senhor é uma grande liderança branca"; "Existe outro tipo?"). E pelo menos uma sequência já está entre as melhores do ano: a cena do teste do detector de mentiras “à prova de judeus”. É ver para crer.


Mas é nos minutos finais em que BlacKkKlansman acaba dizendo a que veio, quando Lee escancara de vez o seu alerta. A essa altura não há mais espaço para sutilezas, e o desfecho toma o espectador da maneira mais abrupta possível. Ao fim do dia, esta é a sua carta de amor à América; escrita a sangue, é verdade, mas, ainda assim, uma carta de amor. 



Fernando Halal é jornalista e fotógrafo, apreciador de rock, cinema, churros e, naturalmente, vídeos de bichinhos.

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