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Voem

"Não acredito que um filme sobre menstruação ganhou o Oscar!"


Essas foram as palavras de Rayka Zehtabchi, diretora vencedora do Oscar de Melhor Documentário Curta-Metragem por Absorvendo o tabu (em inglês, o genial trocadilho: Period. End of the sentence).


A história (real) foi filmada em um pequeno vilarejo na Índia, e mostra como a menstruação e o tabu a ela associado impacta a vida das meninas, chegando ao ponto de algumas terem parado de estudar por - simplesmente - não ter como trocar de roupa durante o período menstrual.


As cabeças baixas, o visível embaraço dos sorrisos, a pobreza extrema e a ignorância, no sentido mais puro dessa palavra, mostram um desconhecimento geral, tanto por parte das mulheres como dos homens entrevistados no documentário. Algumas das respostas envolvem sangue ruim, doença, problema de meninas, sujeira, impureza - as mulheres não podem rezar, quando menstruadas, ou frequentar o templo, mesmo quando a deusa adorada é uma mulher, como elas. A falta de recursos, a vergonha, a escassez de meios faz com que menos de dez por cento da população use absorvente higiênico, e é justamente uma máquina para produzir absorventes que começa a mudar a vida dessas moças. Vale assistir ao filme, é curtinho, menos de meia hora, vale conhecer o projeto, saber como funciona, sorrir do nome cheio de significados que elas escolhem para o produto que passam a produzir e vender, Fly. Porque "elas querem voar." É um documentário ao mesmo tempo leve, e impactante.


Uma das entrevistadas diz, em certo momento, eu sou um pouco feminista. Depois acrescenta, meio envergonhada: só um pouco. É que eu acho que as mulheres são a base da sociedade, mas elas não se reconhecem. Somos as criadoras do universo, completa.


E eu tenho vontade de gritar para ela, e para tantas outras que conheço: não precisa ter vergonha de ser feminista. Seja. Seja muito feminista. E orgulhe-se disso.


Porque nós, mulheres, somos sim, as criadoras do universo, somos geradoras de vida, o sangue que flui todo mês é a nossa possibilidade de gestar, é nossa fonte, nossa força.


Sejamos todas muito feministas, sem vergonha de assumir. Porque apesar de termos andado muito, e terem andado tanto antes, por nós, às mulheres nunca foi dado o direito de descansar. Há ainda muito caminho a ser trilhado para que nenhuma mulher seja submetida, mutilada no seu prazer, vítima de preconceitos e de repressão e de medo. Para que, em nenhum canto desse planeta, nenhuma mulher sequer se sinta mais constrangida apenas por ser mulher.


No primeiro dia de 2019, milhares de mulheres indianas saíram às ruas e deram as mãos formando um muro humano de 620 km para lutar pela igualdade de gênero. A Índia é um dos países mais machistas do mundo, o mais perigoso para as mulheres em razão de violência sexual e altas taxas de feminicídio.


Mas a Índia também é aqui, nesse Brasil distópico de 2019, com seus números assustadores de violência contra a mulher já divulgados, ainda assim com certos garotos mimados dizendo besteiras em redes sociais, do tipo "o feminismo não será mais ensinado nas escolas," com uma ministra da família mais preocupada com príncipes e princesas, cor-de-rosa e azul, com tanto retrocesso e sangue - que não é menstruação - derramado.


Mais um oito de março se aproxima, e com ele, a certeza de que temos no corpo, no ventre, a marca que é nossa força e nossa delicadeza, essa estranha mania de ter fé na vida. Nosso nome é esperança. Mais do que nunca, precisamos resistir e seguir. Por todas, para todas.


Vamos dar as mãos umas às outras, construindo muros que não excluem, que nos abrigam, que são pontes, fortalezas.


Ou mesmo, plataformas de voar.


Trabalho como médica, me traduzo como escritora. Saí de um lugar para onde não pretendo voltar. Agora sigo os desvios, marcando com pétalas e palavras meus descaminhos. O amor errado mais certo do mundo (Concha Editora, 2017) é meu livro de estreia.

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