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Daniela Delias | Três perguntas sobre Alice e os dias

Daniela Delias fala de seu novo livro de poemas, Alice e os dias, que será lançado no próximo dia 26.


Daniela Delias | Foto: acervo pessoal

Daniela Delias é autora de Boneca russa em casa de silêncios (Patuá, 2012) e Nunca estivemos em Ítaca (Patuá, 2015). Alice e os dias é sua terceira publicação solo e primeiro livro editado pela Concha em 2019. O lançamento será no sábado, 26, às 20h, na cafeteria Doce Café (Av. Rio Grande, 275 - Cassino). A poeta, que colaborou com o Conchine de março, também é psicóloga e professora universitária, mora na Praia do Cassino e tem uma relação sensível com a fotografia, linguagem que perpassa seu fazer poético. É sobre escrita, escuta e Alice que Daniela nos conta em entrevista.



Depois de Boneca Russa em Casa de Silêncios e Nunca estivemos em Ítaca, chega Alice e os dias. Que lugar o novo livro ocupa na tua obra?


Alice e os dias chega em um momento bem diferente dos outros dois projetos no que se refere à minha relação com a escrita. O livro já estava acontecendo entre os dois primeiros: o Boneca russa em casa de silêncios foi publicado em 2012, o Nunca estivemos em Ítaca em 2015 e o primeiro poema que trouxe Alice foi escrito em meados de 2013. Esse poema não entrou na edição final, mas foi muito importante no sentido de trazer a ideia da escrita em torno de um eixo comum, um processo diferente do que aconteceu com os livros anteriores, que se formaram a partir de uma reunião mais aleatória. Quando decidi encaminhar o primeiro livro à publicação, eu tinha em mãos um material que reunia mais de vinte anos de uma escrita que só havia ido a público quatro anos antes, através de um blog. Eu penso que o primeiro livro representa, de certa forma, o desejo de ver a palavra atravessando a rua, indo um pouco além de mim, de minha casa, de meus silêncios. Nunca estivemos em Ítaca, ainda que também tenha se organizado com poemas esparsos, foi escrito em um intervalo de tempo menor quando comparado ao conjunto que compõe o Boneca russa, e acabou por revelar certa unidade. Eu penso que ele reflete alguns movimentos importantes no amadurecimento da minha escrita e da minha autocrítica. Neste segundo trabalho, fui bem mais criteriosa quanto à escolha do material e, em certo sentido, pude reconhecer constância em algumas imagens. Eu o vi como uma espécie de viagem, de jornada a um lugar que, no fundo, se sabe inacessível. Alice e os dias, o terceiro, em algum momento se desenha na minha trajetória como um corpo, um corpo que, ao se deslocar, tem consciência de que está destinado à falta, à impossibilidade da palavra e, ainda assim, insiste em sua permanência. Os poemas que compõem este livro remetem a um olhar muito íntimo sobre a existência, e esse olhar se vê implacavelmente atravessado pelo tempo.


Sobre Alice, quem é ela, de onde vem: como o encontro entre vocês aconteceu?


O poema que evocou Alice pela primeira vez trazia à frente de seu nome um A maiúsculo, e naquele momento se apresentou como uma espécie de desdobramento lírico materializado em um nome de mulher, como um outro olhar sobre o feminino em mim. Mas a partir do segundo poema passou a ocupar outros espaços, tomando forma como uma metáfora acerca da escrita ou, antes disso, de uma ausência a que somos inexoravelmente destinados, e com a qual me deparei mais intensamente após os quarenta e cinco anos de idade. Não tenho certeza sobre o instante em que passei a nomeá-la com um a minúsculo, mas essa mudança coincidiu com o momento em que passei a entendê-la não mais como uma persona, mas como um lugar de falta, de algo que sempre escapa, e que é da ordem de um imenso desejo. E o interessante é que só depois disso, em 2017, descobri em uma leitura tardia de Lacan a sua utilização do pequeno a como referência justamente a um lugar de falta, se bem o compreendo. Alice é, para mim, o estranhamento diante da existência e da qualidade evanescente de todas as coisas. Porém, ao mesmo tempo em que ela insiste em dizer sobre o estreito laço entre a natureza humana e o vazio, configura-se como um corpo irremediavelmente desejante, e quer olhar, sentir, dizer, andar, estar neste tempo. Penso que esse corpo é o poema e, como tal, ele resiste. Depois de escrever o segundo texto, que viria a ser o primeiro do projeto, pensei em escrever outros vinte e nove, o que, para mim, significava poder narrar meus dias com Alice como se a nossa conversa acontecesse ao longo de um mês, independentemente de quanto tempo de espera e amadurecimento fosse preciso para chegarmos ali. O trigésimo poema aconteceu cinco anos depois e trouxe a certeza de que ali é nunca, como digo no texto que abre o livro. Aí está a beleza: seguimos olhando, sentindo, andando, tentando dizer. Sigo conhecendo muito pouco sobre os escritos de Lacan, mas achei bonita a coincidência de sentidos. Dedico o livro a “A”, que, entre outras coisas, representa, para mim, o mundo-fora e a abertura a uma interlocução com o que trago de mais íntimo.



Entre a poesia e a psicologia, a fotografia aos poucos também vem fazendo casa em ti. Como essas três maneiras de dizer e ouvir se conectam e figuram (ou não) no teu trabalho criativo?


Para mim, é como se na poesia, na escuta clínica e na fotografia o olhar e a palavra ocupassem lugares muito semelhantes. E a despeito de suas peculiaridades, as três oferecem possibilidades narrativas para um dizer de si e do mundo que pressupõem profundos registros de afeto e de memória. As três, em mim, asseguram um tempo de descoberta, de não-saber, uma abertura à surpresa, à inquietação. Esse lugar de ruptura e desequilíbrio me põe viva e está no centro da minha criatividade. Eu não consigo pensar em uma psicologia apartada da arte. Repetidas vezes me ouvi dizendo que entendia a escuta clínica como um poema e o poema como uma fotografia. Desde que comecei a fotografar, tenho entendido também os processos que envolvem a fotografia como uma escuta clínica e uma escrita poética. A edição, por exemplo, poderia servir como um bom eixo de análise para essa aproximação: o que pude ver/ouvir? Que histórias quero/posso contar sobre o que vi/ouvi? Neste momento da minha vida, a psicologia e a fotografia têm me levado às ruas. As primeiras imagens que registrei foram feitas do alto de um caminhão, em uma manifestação pública em defesa da democracia. Hoje penso que se, de um lado, carrego um enorme sentimento de desesperança pelos rumos do país, de outro me sinto impulsionada a andar, registrando o que me parece ter potência de vida, de luta. Talvez por isso goste tanto de fotografar os pássaros: a forma como contemplam as coisas, o modo como se movimentam em busca de sobrevivência, o sentido de afetividade que atribuo aos seus pequenos gestos e olhares... quero crer que é uma forma de resistir e, também, de escrever poesia.


Lançamento da Concha, livro Alice e os dias, de Daniela Delias | Foto: Andréia Pires


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